O grande silêncio
Apontamentos à volta do filme sobre o Boss.
“Quero encontrar algo real no meio do ruído”, diz Jeremy Allen White como Bruce, às tantas, neste filme que é, em parte, sobre “Nebraska” e a necessidade de se libertar das convenções da edição discográfica para poder exorcizar os seus fantasmas.
Mas “Deliver Me From Nowhere” acaba por ser não tanto um filme sobre Springsteen, mas um filme sobre uma depressão num tipo que, por acaso, é Springsteen, estrela nacional a um passo de ser global, que naqueles dias, nas gravações caseiras que levaram a “Nebraska”, já tinha boa parte do alinhamento de “Born in the USA”.
Mas decidiu adiar a fama e a fortuna massivas por algum tempo, para poder focar-se naquele conjunto de canções que resultou melhor assim, de forma orgânica e sem o aparato e qualidade sonora de um estúdio de gravação profissional (hoje voltei a ouvir o disco enquanto escrevia outro texto, e de facto notam-se as limitações técnicas e como elas ajudam a performance do artista). Hoje sabemos o quão real é tudo o que está neste disco, ainda hoje uma anomalia num mercado discográfico limitativo e castrador.
No entanto, essa necessidade vem acompanhada por um agudizar da depressão e de uma procura pela luz no meio da escuridão. O filme é notável nisso, nesse retrato dos silêncios mortíferos de quem está nessa condição, de quem quer continuar a descer e estar cada vez mais longe da superfície. A dor não se explica, por vezes é uma condição de família, mas pode-se combater. Mas quão desolador é cada momento em que Bruce se depara com alguém igual a ele - desamparado, ausente, mergulhado numa depressão asfixiante.
Quem já passou por isso, ou conhece quem teve uma depressão, poderá sentir-se mais tocado pelo filme do que aqueles que forem ao cinema à espera de um biopic musical (mas há também música aqui, e bem utilizada em prol do filme).
A nossa relação com o cinema também se faz disto: de ligações emocionais, pessoais e talvez intransmissíveis, que fazemos com imagens que talvez não digam nada aos espectadores que estejam na mesma sessão.
Pequena nota que escrevi há pouco no letterboxd e que achei por bem partilhar aqui. Uma postagem mais curta para ver como funciona, e para tornar mais acessíveis alguns apontamentos sobre filmes que escrevo de vez em quando naquela plataforma. Vale mesmo a pena ver “Springsteen: Deliver Me From Nowhere”.
Antes de irem embora…
Sempre podem seguir viagem para uma destas saídas:
Imperdoável é o podcast onde vou ver os filmes que já tinha visto. Podem ouvir tudo nas plataformas de podcasts;
De Olhos Bem Fechados é o programa de bandas sonoras da Antena 1. Passa aos domingos às 23h e depois está na RTP Play. Todas as emissões estão aqui;
Pranchas e Balões é o podcast semanal sobre BD da Antena 1. Podem ouvir tudo aqui;
Mortinhos por Sair de Casa é o roteiro diário de coisas para fazer que passa às 17h40 na rádio. Todas as emissões andam por aqui;
A Hora da Pop, podcast da Antena 1 dedicado à cultura popular, tem novo episódio na sexta. Todos os episódios estão aqui;
Este mês estou a editar o À Pala de Walsh. Mais aqui;
E se tiverem Letterboxd, estou aqui.
Obrigado e bem hajam.

